People helping people
Descubra como a Secrid ajuda a Fundação Sheltersuit a divulgar a realidade dos sem-abrigo.
“Vou desligar o meu vídeo, senão não posso conduzir como deve ser”. O Bas Timmer está agarrado ao volante, como de costume. “A minha carrinha está apinhada de sacos-cama”. É um dia de trabalho como outro qualquer para o fundador da Sheltersuit Foundation. Esta fundação distribui tendas portáteis e sacos-cama a pessoas obrigadas a dormir na rua. Os sem-abrigo, os refugiados, as vítimas de catástrofes. Em todo o mundo: de Roterdão a Portland.
O empresário do sector social fala com paixão, com um otimismo contagiante e um sotaque neerlandês de leste do país. “Tudo o que nos proporciona conforto na nossa casa, também as pessoas que vivem na rua merecem experimentar. E isso começa com a coisa mais básica: o aconchego”. E por isso, oferece uma solução para um problema grave que está a ocorrer às claras e às escuras mesmo à nossa frente. “O mais importante é que nos consciencializemos de que existe um problema. Não vale a pena falar apenas de soluções a longo prazo se, no entretanto, as pessoas estão a morrer de frio nas ruas. Olhar para o lado é algo que me incomoda”.
Quando é que abriu os olhos para este problema?
“Muito cedo, quando era adolescente. Ficava perturbado quando via pessoas passarem pelos sem-abrigo como se não existissem”. O Bas cresceu “entre os rolos de tecido”, os seus pais tinham uma empresa têxtil. O salto para a Academia de Moda foi lógico. Tinha talento para a profissão, mas não se sentia plenamente à vontade nela: “Parecia-me superficial. Só fazer coisas bonitas, era só isso?” Criou uma marca de roupa e produziu uma camisola quente com cachecol para os sem-abrigo. A minha mãe estava reticente: “Quem é que quer andar por aí com uma camisola que os sem-abrigo também usam? Não conseguia entender”. E quando a nossa mãe diz alguma coisa, temos de a ouvir, e foi o que o Bas fez. Não foi para a frente com os seus planos. “Passados alguns anos, o pai de um amigo morreu na rua, vítima de hipotermia. Foi aí que percebi: porra, devia ter seguido os meus instintos”. Essa foi a semente que deu origem à Sheltersuit Foundation. Agora, evoluiu para uma fundação com filiais em Enschede, Londres, Nova Iorque e a Cidade do Cabo, que proporcionou trabalho a mais de 130 pessoas que, de outra forma, teriam dificuldades em entrar no mercado de trabalho.O design “como força para o bem”.
Enquanto fundação, está completamente dependente de donativos, tanto materiais (tecidos) como financeiros. A sensibilização para o problema dos sem-abrigo desempenha um papel importante neste processo, de modo a abrir os olhos das pessoas. E conta com a boa vontade das empresas para darem uma mãozinha. Felizmente, essa ajuda concretiza-se. Muitas marcas de produtos para atividades ao ar livre doam tecidos residuais rígidos que a Sheltersuit Foundation transforma em sacos-cama. A Secrid também é doadora há vários anos, com financiamento proveniente do Fundo de Impacto da empresa. “Aplicamos 1% do nosso volume de negócios anual ao apoio de designers empenhados em mudanças positivas na indústria”, afirma Marianne van Sasse van Ysselt, co-fundadora da Secrid. “Chamamos a isto ‘design como força para o bem’, utilizando o design para criar produtos sustentáveis e sociais verdadeiramente necessários”. “Doar é fácil, mas como designers estávamos à procura do parceiro certo para ter um impacto significativo. Fazer o bem apenas com dinheiro não nos satisfaz. Afinal de contas, somos designers com impacto em grande escala com a nossa empresa, porque trabalhamos de uma forma social e eticamente responsável. Pusemo-nos a questão: como podemos nós, enquanto designers, apoiar outro designer empenhado em dar um sentido social ao seu trabalho?”Foi então que a Fundação Sheltersuit se cruzou no seu caminho. Como é que aconteceu?
“O René (co-fundador e sócio) e eu ouvimos o Bas falar no festival de design Indaba, na Cidade do Cabo. A sua história era cativante, muito convincente. Disse que estava à procura de financiamento. O René e eu olhámos um para o outro e percebemos logo: tínhamos de o ajudar. Fomos falar com ele durante o intervalo. Com o nosso primeiro donativo, foi possível iniciar a produção de Sheltersuits na África do Sul”. As duas partes encaixaram logo e rapidamente encontraram um ponto em comum. “O Bas e a Marianne são ambos designers, por isso falamos a mesma língua. Acreditamos todos que, como designer, temos uma responsabilidade”. O Bas acena com a cabeça e acrescenta, com o seu jeito único: “Como designer, quero resolver problemas, não criar mais porcaria. Já chega”. A Marianne concorda.
O design como força para o bem
Vocês compartilham da mesma filosofia.
Marianne: “Exatamente. Queremos mostrar que as coisas podem ser feitas de forma diferente. Não se causa impacto apenas à frente, mas também atrás”.
O que é que isso quer dizer?
Na Secrid, a cadeia de produção está centrada em valores sustentáveis e sociais, do princípio ao fim. “Nos Países Baixos, temos 150 empregados que, de outra forma, teriam dificuldade em entrar no mercado de trabalho, a trabalhar nas nossas carteiras. Desde a nossa criação, optámos conscientemente por produzir localmente. Não é a forma mais fácil ou mais barata, mas é a mais sustentável”.
Esta filosofia é também a da Sheltersuit Foundation: “A nossa força já não é o produto, mas o modelo que o sustenta”, explica o Bas. “Por exemplo, há muitos antigos refugiados da Síria e da Eritreia a trabalhar no nosso estúdio. Além disso, trabalhamos sempre que possível com materiais reciclados. A indústria da moda é extremamente geradora de resíduos. Temos todo o gosto em aceitar têxteis residuais e dar-lhes uma segunda vida”.
Esta forma de trabalhar é assim tão óbvia como soa?
O Bass, com toda a convicção: “100%.” A Marianne, concordando: “Sem dúvida. Se o contexto não fizer sentido para mim, não me vou envolver”.
Têm muito em comum. Como é que a Secrid dá visibilidade à Fundação Sheltersuit?
“Já éramos doadores da fundação”, explica a Marianne, “mas estávamos à procura de uma forma de envolver o consumidor na mensagem. Foi assim que tivemos a ideia de fazer da carteira o portador da mensagem. Concebemos uma carteira Secrid de edição limitada, feita com material descartado”.Material descartado?
“Materiais que foram rejeitados por várias razões, por exemplo, protectores de cartões com arranhões na superfície. A carteira de edição limitada tem gravadas as palavras
‘People Helping People’. Dez euros de cada carteira vendida revertem a favor da Sheltersuit Foundation”. A Secrid ajuda, assim, a difundir a mensagem da Sheltersuit pelo mundo fora, especialmente nos países onde há grande número de sem-abrigo. “Esta forma de apoio torna o que fazemos muito mais visível”, continua a Marianne. “E acima de tudo: a razão pela qual o fazemos”.Como é que se torna mais visível?
“Leva sempre a sua carteira consigo. Obriga-o a pensar: em que é que eu gasto o meu dinheiro? E serve para iniciar uma conversa”. Acima de tudo, esta carteira vai ajudar a espalhar a mensagem da Sheltersuit Foundation, aumentando a consciencialização em torno da questão dos sem-abrigo e provocando conversas sobre essa problemática. “E essa conversa é necessária”, diz o Bas, “não só entre nós, mas também com os sem-abrigo. Organizo workshops para empresas como a Nike e a Design Academy e uma das primeiras coisas que faço é levá-los para a rua. Conversamos. Um em cada três regressa com lágrimas nos olhos quando vê como a vida dos sem-abrigo é tramada. Se quisermos fazer alguma diferença, temos de nos envolver e aceitar ser vulnerável. Quando visito os sem-abrigo, sinto-me em casa”.
Isso parece contraditório, quase irónico.
“Bem sei, mas é verdade. A vida na rua pode ser bonita e comovente. A forma como as pessoas se ajudam umas às outras, procuram comida uns para os outros. Não há juízos de valor em relação ao outro. Vêem-se como iguais. A rua tem uma comunidade onde as pessoas são frequentemente mais amáveis entre si do que estamos habituados em casa. Na rua, tornamo-nos pessoas diferentes”.Se eu fosse um sem-abrigo, o que é que eu gostaria que alguém fizesse para mim?
“Atenção. Isto pode ser ainda mais importante do que dinheiro. Muitos sem-abrigo sentem-se sós. Uma conversa, ou por vezes até um sorriso, pode fazer uma grande diferença. E, claro, pode fazê-los sentir-se felizes com uns trocos, se for possível”.Temos cada vez menos dinheiro líquido nos bolsos. Parece-me ser um problema.
“Sem dúvida. Tem de haver uma forma para o mundo dos pagamentos electrónicos ajudar o dos sem-abrigo. Talvez utilizando um código QR nas peças de vestuário Sheltersuit feitas com têxteis Secrid. Para criar confiança. Preciso de passar uma tarde com os designers da Secrid para trabalhar nisso”. Marianne, rindo: “Acho que é uma boa ideia, quando quiseres”.